O recente episódio em torno da licenciatura de José Sócrates vem provar que existe um culto em torno das licenciaturas, é como se uma pessoa fosse mais ou menos capaz que outra só pelo simples facto de ter concluído um curso universitário.
Eu tenho 25 anos, trabalho quase há 7, não frequentei nenhuma universidade e só senti falta do canudo em algumas entrevistas de emprego – em algumas o meu CV colmatava essa “falha” mas no final do mês ia ganhar menos só por isso.
Dizem-me os meus amigos, a maioria deles licenciados, que se investiram não sei quantos anos e uns quantos euros numa licenciatura devem ser recompensados por isso. Digo-lhes eu que a recompensa tem de ser dada por eles, se aprenderam mais do que um não licenciado só têm de provar no terreno que são realmente melhores.
É por isto que é necessário um mercado de trabalho mais liberalizado, em Portugal é difícil uma empresa ver-se livre de um mau empregado – enquanto que se for muito bom é só esperar para vê-lo fugir para outro lado – e como tal o mais fácil é jogar-se pelo seguro e contratar licenciados, que em teoria, mas só em teoria, são mais capazes.
Na política o culto da licenciatura ainda é maior, e o acesso a muitos lugares obriga a que se seja licenciado, felizmente no caso do lugar de Primeiro-Ministro isso, em teoria, não acontece. Um Primeiro-Ministro tem de ser um líder, tem de ser bom politicamente e convém que tenha uma boa percepção de como as coisas (economia, relações internacionais, sociedade, etc.) funcionam mas não precisa ser um especialista em nenhuma nelas.
Claro que nada do que escrevi perdoa que alguém se faça passar por engenheiro se não o for, e o caso torna-se ainda mais grave por existirem indícios de corrupção e tráfico de influências.
Ainda dizem que a imprensa é imparcial.. Fosse isto com um PM do “centro-direita” e não havia jornal que não falasse nisto.
Repara que também a perspectiva contrária me parece anedótica.
Não concordo de maneira nenhuma com a desvalorização sumária de um curso superior. E atenta que o meu próprio ofício só se tornou formalmente um curso superior há relativamente pouco tempo, na medida em que durante muitos anos a Arquitectura era algo que se aprendia a fazer, algo que a experiência mais do que consolidava, algo que o tempo com os detentores comprovados da mestria no ofício passava geralmente de geração em geração… e, não, não era por osmose que tal acontecia. Era por dedicação, por vontade indómita, por prazer puro!!
Talvez seja esse o ponto criticável neste assunto. Fazer um curso por fazer e não por puro prazer, garra ou vontade, isso sim é apenas uma questão de investimento, de dinheiro, uma vez que num estado social como o nosso os canais estão abertos e disponíveis. E, não, a expressão “tempo é dinheiro” não foi esquecida, simplesmente (permite-me) “não é aqui a questão fundamental”.
Quanto ao Primeiro-Ministro, acredito que até alguma coisa ser realmente provada não passam de rumores. Rumores que nem uma boa máquina de propaganda extingue num Estado de direito…
E o poder do boato hoje-em-dia é uma boa prova da falta de espírito crítico e oportunismo puro que impera. Talvez ao invés de investir em medidas tristes como a redução do tempo académico, originando ainda mais dessas críticas como a que construíste, talvez se devesse aplicar no ensino formas e medidas (longe de demagogias inconsequentes ou de quaisquer valias pseudo-religiosos) para valorizar o sentido deontológico e moral.
Mas afinal de contas deve ser pelas razões que apontaste que em Portugal se tornou comum utilizar a expressão “tirar um curso”… Talvez por haver sempre alguém mais habilitado que o merecesse mais!! Perdido em “wishful thinking” ainda acredito e espero que o talento puro acabe sempre por se descerrar valorizado.
Isto das licenciaturas, e mestrados e afins, anda um caos. Sempre se notou a mentalidade dos doutores e engenheiros, mas é algo que não me parece, de todo, ser suficiente para categorizar pessoas. Primeiro, mas só sucintamente, porque a pessoa é bastante mais (ou menos) do que o curso que seguiu. Segundo, porque em termos profissionais, há uma diferença monumental entre ser-se uma coisa, e ter um curso dessa coisa. Já encontrei pessoas extremamente competentes sem terem um curso e pessoas redondamente asnas com um canudo a protegê-las. Mas também se encontra o inverso, licenciados competentes e não licenciados incompetentes e frustrados. Aqui acho que se deve ter em conta a motivação para seguir, ou não, um curso. Se é pelo canudo, não resulta. Se é por motivação intrínseca, porque não? Tal como o apostar numa entrada mais cedo no mercado de trabalho, de forma a que a experiência do mundo real suprima as diferenças (as que existirem), é algo mais do que legítimo. Dou um exemplo muito claro: eu estou neste momento a terminar (ou assim espero) a minha tese de mestrado (pré-Bolonha, portanto já são 5+2 anos) e em termos de emprego, não é nada fácil, apesar de nunca ter ficado parada, o que faço não tem grande associação com o que estudei; o meu irmão tirou um curso técnico-profissional e esteve 3 semanas desempregado desde que o terminou … e é um profissional que, fraternalismos à parte, considero muitíssimo bom no que faz. São áreas diferentes, é certo, e acho que em determinadas áreas, para determinadas profissões, o estudo formal é necessário. Para outras, nem tanto.
Quanto à questão de José Sócrates … só acho curioso isso tornar-se relevante numa altura em que há aspectos muito mais importantes a ter em conta no sistema político actual. Se é importante saber a realidade da licenciatura ou bacharelato de Sócrates? Sinceramente, não é o que me preocupa mais neste momento.